Revista Latinoamericana de Psicoterapia Existencial. UN ENFOQUE COMPRENSIVO DEL SER. Ao 13 - N 25 - Octubrel 2022.

 

Seccin Ensayos y Revisin

 

Nietzsche e as razes animais do humano e sua conexo com o

sobre-humano

 

Nietzsche and the animal roots of the human and its connection with the

about human

 

Emilio Romero
Joinville, Brasil

 


 

Resumo

Alguns antecedentes para situar a proposta de fundo

Minha proposta oferecer uma visita a um livro da professora Vanessa Lemm, especialista em filosofia contempornea, em especial no pensamento de Nietzsche. Num texto bem documentado ela expe a importncia da animalidade como a natureza mais prpria do homem e sua necessria reabilitao e reintegrao como passo preliminar para alcanar uma nova etapa evolutiva que o pensador alemo denominou como o sobre-humano vulgarmente divulgado como o advento do super-homem, que nada tem a ver com a ideia holywoodense. Trata-se s de uma visita a algumas ideais analisadas por Lemm.

 

Palavras chave

Nietzsche, animais, humano, sobre-humano

 

Abstract

Some antecedents to situate the fund proposal

My proposal is to offer a visit to a book by professor Vanessa Lemm, a specialist in contemporary philosophy, especially in Nietzsche's thought. No text has documented the exposure to the importance of animality as the nature of the home and its necessary rehabilitation and reintegration as a preliminary step to reach a new evolutionary stage that the German thinker called the superhuman vulgarly disclosed as the advent of the super -homem, that I fear nothing to see with the holywoodense idea. It is only about a visit to some ideas analyzed by Lemm.

 

Keywords

Nietzsche, animals, human, superhuman

 

Farei preliminarmente breves consideraes para destacar alguns temas com os quais o filsofo tem revolucionado o pensamento contemporneo ao caracterizar nossa poca quase um sculo antes de que acontecesse, tal como este se desenha a partir dos anos 80: o fim da experincia sovitica, o fim da Great american society (1), a globalizao, o auge da ciberntica e da computao, a robotizao humana, o surgimento da China, etc.

O autor de Assim falou Zaratustra h imposto uma variedade considervel de temas vertebrais prprios da condio humana. Algumas de suas teses at circulam nas vias mediticas. Entre o que se interessam pelas questes centrais do mundo atual no ignoram suas teses mais contundentes, todas elas originais e surpreendentes. No preciso dizer que as maiores figuras do pensamento contemporneo mostram sua influncia. Admito que a originalidade de seu pensamento e o fundo potico de sua prosa nos levam a dar nossa adeso a suas ideias, mesmo se elas provocam notrio conflito em nossa representao do mundo.

Antes de entrar na interessante e bem documentada proposta da autora farei alguns alcances sobre as teses mais revolucionrias do pensador alemo.

# O homem s uma ponte entre o smio e o sobre-humano, o que est para alm da condio que hoje predomina. um macaco decadente, que perdeu seus instintos bsicos, salvo seus gestos imitativos. um animal acuado por um longo processo civilizatrio que o domesticou mediante normas repressivas. O sobre-humano v recuperar esses instintos bsicos da animalidade numa nova conquista de sua vontade de afirmao de si. O homem uma superao permanente. La tese de um necessrio resgate da animalidade soa mal nos ouvidos da pessoa comum; como isso de recuperar o lado animal, por acaso essa gente que no sabe controlar seus maus instintos no qualificados com razo de animais? Esta bem que eu goste de meu cachorro o de meu gato, mas de a a querer recuperar um fundo animal com algo bom visto como absurdo. A gente comum ainda dir: O homem um ente racional, o animal age por instinto, no tem conscincia de si. Ademais, como ensina a tradio, somos seres espirituais, temos uma moral que nos indica o bem e o mal. Ser mesmo assim? Em seguida veremos o lado positivo da animalidade.

preciso ento examinar o que implica a tese de Nietzsche sobre a importncia da animalidade no humano. uma das propostas do livro de Lemm.

# A segunda tese que j est enunciada no Zaratustra como a morte de Deus. Esta tese a que provoca mais reaes de alarma, sobretudo nos setores crentes, que vem em Deus o maior amparo para os que sofrem e para a indigncia humana generalizada. Alis, a religio como instituio um dos poderes fortes no sistema social: ela coloniza um grande territrio no espao social. O que quis afirmar este pensador com a morte de Deus? No h unanimidade entre os comentaristas. certo que j desapareceram numerosos deuses na histria de Ocidente; com a imposio do monotesmo esta morte mais grave; implica o fim do imprio de um Deus, embora no necessariamente das religies, que so instituies que invocam um ou mais deuses, mas que bem podem colocar sua figura num segundo plano (os catlicos invocam a ajuda dos santos mais que proteo de Cristo). A melhor interpretao me parece que se refere perda do lugar que ocupava a idia de Deus na gerao dos poderes oficiais: hoje no existem Estados em Ocidente que exijam das autoridades uma confisso religiosa. Desde o comeo do sc. XX Religio e Estado esto separados. O niilismo caracterizado pela descrena nos chamados grandes valores tende a impor-se no sc. XX e XXI; Nietzsche nega que a verdade e o bem tenham um sustento em si, so apenas conceitos-crenas com vigncia limitada e subordinada composio de foras que tende a impor-se nos diversos setores do social. So valores de passagem transitria. A cincia como suposta depositria do saber e da verdade s provoca algumas ironias em Nietzsche.

# A terceira tese menos comentada: a degradao do ser humano na histria de Ocidente. Este fenmeno comea com o fim do esprito dionisaco prprio da cultura grega; uma degradao lenta; inicia-se com Scrates que introduz o predomnio do racionalismo e continua com o idealismo platnico; impe-se a sofrosine como o ideal de mesura e de medida no comportamento. Plato introduz a teses metafsica que as realidades cotidianas e concretas so meras representaes fugazes, o que importa so os arqutipos ideais das coisas, que so eternos e invariveis. Estes arqutipos ideais esto no cu dos conceitos, no mais alm da experincia comum. Com este suposto Plato coloca o Bem o os grandes valores no alm, no na vida corriqueira dos mortais: deste modo prepara o advento do cristianismo que ensina que a terra o lugar do mal, um vale de lgrimas, uma estadia de sofrimento s compensado se os bens dos cus so ganhos. O que prope Nietzsche justamente uma inverso desta perverso proposta pelo platonismo e o judeu-cristianismo.

Certamente no podemos colocar unicamente nas contas do platonismo a preparao para que o cristianismo aproveitasse um terreno abonado. Penso que as escolas filosficas posteriores tm uma conexo ainda mais propcia para facilitar a aceitao do cristianismo. Todas as escolas helensticas preparam a chegada do cristianismo, isto , criam um clima propcio. Veja: O cinismo, com sua nfase no despojamento de tudo e sua abertura para o animal (cinos= cachorro), seu menosprezo por qualquer distino, lembre-se Digenes Larcio. O ceticismo com sua rejeio de todo dogmatismo, sua dvida diante qualquer enunciado com pretenses de verdade. Lembremos os tropos de Enesidemo, um dos quais questiona inclusive todo empirismo, pois nunca uma experincia se repete. (2) O estoicismo que coloca o acento na educao para o bem viver para o bem morrer; a tica se torna o centro de todo projeto humano.

Todas estas correntes do pensamento entram na categoria de um vasto movimento cultural; at podemos entender suas propostas na esfera do que inclusive Nietzsche destaca como criao cultural em contraste com a ordem civilizatria.

Ento por que motivo coloca Nietzsche nas costas de Plato a responsabilidade de preparar o caminho do judeu-cristianismo? Pela simples razo que Plato um gigante do pensamento, fonte constante de todos os doutores e telogos cristos. O neoplatonismo inclusive j tinha recebido a acolhida dos poderes imperiais. Plotino era uma figura semi-oficial j no sc. III de nossa era. Como Plato afirma que toda realidade verdadeira absoltamente ideal, s uma idia, nada factual, nada material. Certamente o cristianismo dar um passo mais enfrente: se abre a certa idia de desenvolvimento: implica uma abertura para o cmbio, ausente no neoplatonismo.

Como se pode apreciar nosso pensador mostra o ocaso dos grandes dolos vigente at o sc. XIX no Ocidente. Tanto as idias socialistas j presentes na poca de Nietzsche como a filosofia positivista de Comte predominante no sc. XIX e parte do XX so repudiadas por este pensador como pretenses sem fundamentos. A primeira contrria a desigualdade natural dos humanos; a segunda acredita em dois mitos ingnuos a do imaculado conhecimento da cincia e no progresso do saber e da ordem social ordem e progresso era seu lema. O autor de Zaratustra nunca leu uma pgina de Marx, e se o houvesse lido o julgaria outro filho bastardo do judeu-cristianismo.

# Uma quarta tese no pode ser ignorada; refiro-me a seu mtodo de apreender os fenmenos histricos em termos de sua genealogia. Este mtodo consiste em rastrear um fenmeno scio-histrico em termos que permita captar sua origem e o processo de mudana que experimenta ao longo do tempo. Foi o que ele fez em especial em relao s idias morais que se impem em nossa civilizao; o bem e o mal, centrais no plano da moral convencional, j tiveram um sentido muito diferente em pocas passadas. Foucault aplicou este mtodo em seus estdios sobre diversas instituies, em especial no caso dos manicmios e das prises.

Ento o que nos oferece este livro notvel da prof. Lemm?

Talvez seja o texto melhor documentado sobre a reabilitao da animalidade como um dos fundamentos de uma antropologia nietzschiana. Vale anotar que este tema no tem tido a ateno devida por parte dos pesquisadores do pensador. A tarefa de Lemm de tal magnitude que explora os mbitos mais importantes onde est presente o fator animal do humano. Comea caracterizando dois conceitos centrais na histria humana: a civilizao e a cultura.

O filsofo destaca a civilizao como um processo de represso e de domesticao do homem feita mediante as normas, as leis e as imposies morais, principalmente. Em contraste, a cultura se d como um questionamento e renovao dos esquemas impostos pela civilizao. A civilizao conservadora, limitadora, opressiva; a cultura e questionadora, libertria, criadora. Estamos acostumados a entender a civilizao como os aspectos materiais prprios e peculiares de um povo, de uma poca. Tambm isso, mas inclui o normativo e a lei com uma exigncia para impor uma ordem social. A cultura corresponde aos aspectos mais expressivos e dinmicos e recolhe as foras propulsoras e em pugna sempre presente numa sociedade, mesmo nas mais conservadoras.

H outros mbitos examinados pelo filsofo. Lemm comenta (a) poltica y promessa, (promessa?); (b) cultura e economia; (c) animalidade, linguagem e verdade; (d) animalidade, criatividade e historicidade; (e) a bio-poltica e a questo da vida animal. Est claro que Lemm se prope uma tarefa ambiciosa, que neste comentrio s poderia dar meras menes de cortesia. Os colegas psiclogos, especialmente, podem entrar num aspecto pouco conhecido do maior filsofo presente em nossa poca, sobretudo depois do transitrio eclipse de Marx. O trabalho do psiclogo no pode limitar-se ao tratamento psicoteraputico, ignorando os estratos do ente humano: o biolgico, o psicolgico, o ecmico-social, o existencial e o espiritual -este ltimo entendido com o plano dos valores e das crenas que orientam toda atividade humana.

Vejamos as questes bsicas.

Vejamos as bases bio-cntricas do pensamento nietzschiano; uma filosofia centrada na vida como o fenmeno bsico e universal; algo mais que a existncia tal como tem sido teorizada pelos existencialistas. Neste sentido; toda sua obra se d como um vitalismo afirmativo. Entendido este ponto, mostra-nos que esta idia no um derivado da proposta darwiniana, que se apresenta como o predomnio dos mais fortes e da seleo natural; Darwin v o homem como um macaco evoludo que foi compelido a andar ereto e a usar os rudimentos da linguagem graas a um longo processo evolutivo de milhares de anos. A concepo nietzschiana diferente da teoria darwiniana; diferente pelo menos em alguns pontos essenciais:

a) Embora reconhea a primazia do biolgico e do animal no homem postula a presena do esprito em toda a matria viva: a vida mesma esprito. O que seja o espiritual na materialidade orgnica um assunto que no fica bastante claro no texto de Lemm; de todos os modos o podemos entender como o movimento em perpetuo devir e mutao, assim como de organizao direcionada que se observa no orgnico e no organismo entendido como um todo. De nenhum modo se entende o espiritual segundo o sentido comum como um fludo independente do orgnico, da corporeidade, que o modo de entendimento no plano religioso. Penso que este fator se origina da tese nietzschiana de que o elemento fundamental a vontade de potncia existente como caracterstica humana; pertinente lembrar que esta tese j est presente na filosofia de Schopenhauer, quem afirma que esta vontade esta presente em toda a natureza. Certamente esta vontade de poder tem outras caractersticas no pensamento do autor de Zaratustra.

b) A animalidade apresenta traos distintivos que inclusive outorgam uma relativa superioridade do animal sobre o homem. Primeiro o animal vive no presente, o que lhe permite um contato direto com a natureza ambiente e com a sua prpria. Esta presentificao implica o esquecimento do acontecer o que lhe permite escapar da temporalizao que o trao distintivo do humano uma vez que se integra com o devir histrico. Sobre a relao entre memria e esquecimento a autora destaca alguns aspectos que permitem apreender os pros e contras de um e de outro.

c) Nietzsche, escreve Lemm, afirma a continuidade entre o animal o humano e o sobre humano. A vida humana no pode dar-se unicamente sobre a base de sua prpria fora seno que depende completamente de sua relao com outras formas de vida; esta idia rompe com a tradio ocidental que considera o ser humano como o cume da evoluo (pg 18).

A civilizao implica um afastamento da animalidade com tudo o que ela tem de positivo a energia instintiva, a espontaneidade, a liberao da temporalidade, o esquecimento d passado como imposio de uma identidade. A animalidade implica tambm o descaso do futuro como uma procura compensatria de possveis realizaes.

# O antagonismo entre cultura e civilizao.

Este um dos captulos decisivos para a compreenso do pensamento nietzschiano no tema em pauta. H um antagonismo entre cultura e civilizao. A civilizao impes a norma, mesmo mantendo as diferenas entre os grupos segundo seja seu poder material e social tende a nivel-los para baixo; tende a domesticar para assim estabelecer uma ordem conveniente para o grupo mais forte e para o chamado bem comum. Estabelece toda uma tradio que legitima os costumes e a moral. A tradio exige o concurso da memria; o memorvel lembra os momentos e fatos que confirmam os bens adotados como reitores do grupo ou nao.

Em contraposio, escreve nossa autora, a misso da cultura essencialmente crtica; sua funo mostrar que a racionalizao y la moralizao so tcnicas de dominao dirigidas contra a animalidade do ser humano; em sua funo crtica a cultura revela que os avanos da civilizao so falsas superaes. A segunda funo da cultura a liberao; seu papel impor-se frente ao domnio da civilizao. O desafio da cultura suscitar formas de vida que no se convertam em formas de poder sobre a vida. Sugiro que a cultura recupera esta plenitude de vida nos sonhos, iluses e paixes do animal.

Entendo esta ltima frase no sentido que estes trs motivadores da vida humana implicam no s uma escapada da ordem civilizatria, mas sobretudo uma recuperao das fontes mais ativas da vida j presentes em nossa natureza; as paixes mais a entrega aos afetos e impulsos que nos mobilizam, nos estimulam a criar novas possibilidades; so tambm as fontes motoras do dionisaco, a entrega ao instintivo, ao momento. Esta entrega ao momento justamente uma caracterstica do animal.

Este pensador destaca que prprio do animal viver s no presente, o que o libera das imposies da memria e das imposies que impem as identificaes inerentes a uma histria pessoal e social. Vive no esquecimento. Eu diria que o que acontece ainda nos chamados povos primitivos, que ignoram o calendrio, os nmeros, a escrita. Vivem no presente; s existe uma memria mtica do que aconteceu naquele tempo, algo indeterminado. So seres coletivos, possuem algumas regras de conduta e se expressam na dana e nos ritos, que so as formas de sua vitalidade. O presentismo e o espontanesmo muda assim que se entra num processo civilizatria tal como entendido especialmente no Ocidente, e tambm em Oriente.

Numa sociedade complexa estas duas caractersticas ainda vigentes em sociedades simples so impossveis, contrrias ao complicado sistema administrativo e a magnitude dos negcios que se impem neste tipo de conglomerados humanos. So civilizaes regidas por uma burocracia e por normas que intentam controlar cada mais a conduta de seus governados. Com os avanos da tecnologia computacional hoje possvel controlar todos os aspectos de uma pessoa ou grupo. Tem-se estabelecido um programa de direcionamento da conscincia coletiva nunca alcanado antes de nossa poca. Existe uma ditadura silenciosa, dissimulada com todos os recursos da astcia e do maquiavelismo. Neste tipo de sociedade pode existir certo esquecimento de si, mas jamais seria pertinente esquecer as obrigaes do status e do servio. Este esquecimento de si se chama precisamente alienao, to bem analisado pelos marxistas. So escravos do sistema, mas sem perceber sua condio.

Sim, o homem livre pode tambm liberar-se do passado, viver no presente e projetar-se para o futuro, ou simplesmente viver. Sobretudo pode viver as fontes de sua de sua energia e de seus impulsos, sua libido, isso que anima a animalidade. Esta so as orientaes do sobre-humano, a sntese entre o animal e o humano.

H certa alternncia no predomnio da civilizao e da cultura; quando predomina a primeira se impe a ordem e o imprio das normas, includas as morais, que servem para fortalecer a ordem. No predomnio de um perodo cultural a uma expanso da contestao em todos os planos, maior criatividade e uma exuberncia da vida. Embora Nietzsche no faa um alcance sobre mudanas geracionais sugiro que h perodos de geraes conservadoras e geraes de maior contestao e liberdade. Entre o os anos 20 ao 64 domina no Brasil o perodo das grandes transformaes culturais (a semana modernistas, surgimento dos grandes escritores e artistas, direitos trabalhistas, fundao de Braslia, etc.). Desde o 64 volta o conservadorismo com a ditadura militar, que dura at o incio do Governo Fernando H. Cardoso (1994). Desde esta data observamos um perodo de maior liberdade e uma desordem previsvel em todos os planos. Um maior grau de descontrole prprio de perodos altamente criativos: vemos a quebra dos chamados valores morais (homossexualidade aberta, queda do casamento formal, casamento condicionado, desonestidade na esfera da administrao do patrimnio pblico, licenciosidade manifesta, descrdito das instituies, etc.).Em compensao registramos grandes mudanas, especialmente no plano tecnolgico, na publicidade; tambm h um salto na diminuio da misria: 30 milhes de proletrios entram na mini-clase mdia (mdia-modesta), aumento das lutas sociais em pro de moradia, de terras, de igualdade de oportunidades, combate ao racismo (3); cresce tambm o banditismo, o crime organizado e certa anomia social.

# Criao cultural e subverso

O prprio Nietzsche fala de um tipo humano qualificado como o subversivo, exemplo de homem pleno de vida. Mais ainda, todo criador subversivo, contrrio a uma certa ordem vigente. Basta lembrar a histria dos grandes criadores em todas as reas para comprovar esta afirmao sempre precisam enfrentar o estabelecido como a verdade e o bom. O prprio Nietzsche viveu na excluso, s foi reconhecido no campo da filosofia bastante depois de sua morte, a partir da obra de K. Jaspers (1921), embora os testemunhos de outros escritores j andassem pelos corredores do pblico. Inclusive Freud soube usar suas ideias bsicas, mas optou por fingir que tinha s dado uma olhada em seus escritos.

# Poltica e promessa

A tese de Lemm que nosso pensador estabelece um antagonismo entre foras animais e humanas, que implica a sub-tese de que s a reabilitao das razes animais permita o trnsito para o sobre-humano. Quando o ser humano se define a si mesmo sem assumir sua animalidade e seu esquecimento animal a vida cultural e poltica assume formas de dominao e de explorao dos seres humanos por outros seres humanos. Assim se origina a importncia da memria voluntariosa com a inteno de extirpar o fator animal em ns. Pelo contrrio, a aceitao da animalidade geras formas de vida cultural e poltica baseada na auto-responsabilidade individual (pg.84). Algo mais, toda forma de poder na esfera civilizatria tem carter opressivo; est presente no processo de socializao; tenta atenuar-se ou ocultar-se, mas basta uma olhada mais atenta para ver que tudo tende para o controle e a dominao dos setores. Nietzsche no se ope a este domnio; o considera natural; os mais fortes devem impor sua vontade.

Por outro laso a sosiedade se institui e preserva a travs da manipulao de seus membros, de modo tal que cada um deles se submete livremente s normas da vida civilizada e se compromete co elas mediante promessas. (pg.87)

# E como fica a questo da memria e o esquecimento?

Como fica a questo da memria voluntariosa prpria de civilizao em contraste com o esquecimento de si do animal. Confesso que os textos comentados por Lemm me deixam na dvida. Prefiro dar minha verso. O primeiro tipo se ajusta a uma narrativa da histria que um grupo o povo se d para justificar o estado atual de um determinado perodo. Do mesmo modo faz o indivduo: at onde pode inventar sua histria, embora que seja a custa de uma simplificao superficial. Procure voc reconstituir sua trajetria; o mais provvel que oferece algumas linhas retas que escondem todas as curvas que os traos quebrados. Em terapia se v muito esta figura. A memria desempenha aqui o papel de justificativa. Em contraste o esquecimento surge de seu modo de estar inserido em seu ambiente e no contato com sua filia. O animal no tem nada a justificar. Tudo o que precisa saber est j inscrito em sua memria gentica; lembre-se voc da migrao das aves que sulcam todo o Continente americano, desde Califrnia at o Brasil, sem nunca ter feito antes essa viagem; ou veja como constri seu ninho os pssaros; ou como os aborgenes da selva brasileira se orientam na densidade do mato. Observe como opera a memria nas classes pobres: ficam presos no presente.

Ento como fica o esquecimento como um passo necessrio para a liberao? No homem superior, o sobre-humano, esta atento a seu acontecer, atento a sua vontade de poder como criao de si mesmo e como artfice possvel de um novo tipo de sociedade.

 

# S a ttulo de concluso provisria

Um outro ponto. O fator animal est presente no homem em todas suas necessidades bsicas; so oriundas do biolgico. Elas tm obrigado o homem a procurar os meios de sua sobrevivncia. Precisa atender essas necessidades; fome, sono, resguardo (moradia), sexo, contato com outros (agrupao). Povos inteiros tm vivido durante milnios para atender s estas necessidades. Continuamos vivendo muito perto ainda de nossas origens. Basta observar os povos primitivos (e inclusive o proletariado) para verificar que nossa civilizao no melhor que a deles. Os povos primitivos vivem no mito, que d respostas sobre suas origens e sobre seus ritos; o demais dana, cantos e o elementar para suas necessidades. O proletariado tem esprito comunitrio (que os setores mdios e dominantes no tm), tem seu carnaval (ou algo equivalente), se reproduzem a seu belle prazer e suas crenas do respostas elementares para suas dvidas igualmente elementares. As sociedades complexas esto divididas em classes segundo seja seu poder econmico-social; Nietzsche considera natural estas diferenas; os humanos so desiguais. Ponto. Como diferente da civilizao, o auge da cultura, num determinado perodo histrico no diminui estas diferenas.

Marx diria que este prussiano aristocratizante no entendia a dinmica dos processos econmicos na gnese da aventura humana. Contudo, so estes dois homens os que se disputam a compreenso de nossa histria atual e passada. Os franceses, sempre com seu esprit de finesse, optaram por Marx, com Sartre; e por Nietzsche com Foucault, Derrida e Deleuze. H outras opes filosficas atuais? Heidegger buscou refgio no setor acadmico, nos crculos eclesisticos e nos conservadores de sempre. Rien plus.

E ns latino-americanos? Nossos filsofos so poetas e escritores. Neruda, Drumond, Garca Marquez; e se queremos ser mticos, enigmticos, refinados, temo um Jorge Luis Borges, e alguns outros que ainda no frequentam minha memria.

S dei uma sumria resenha de obra de Vanessa Lemm; os colegas psiclogos e filsofos esto convidados a sua leitura. curioso que as melhores comentaristas do filsofo sejam mulheres comentadores de este homem solitrio que acreditou que a humanidade se dividiria em antes e depois dele. Jesus acreditou nessa aposta e acertou; penso que o filsofo do martelo no ter a mesma sorte.

 

Referencias bibliogrficas

Lemm V. (2010). La filosofia animal de Nietzsche. Cultura, poltica y animalidade del ser humano. Santiago de Chile, Chile: Universidad Diego Portales.

Comentarios del autor

(1) Nietzsche se sirve del trmino psicologa en un sentido muy peculiar: la explicacin de la gnesis y formacin de los valores morales. Se trata, de una labor necesaria, de una empresa cruel pero inevitable, por cuanto pone al descubierto un ingente nmero de verdades speras y desalentadoras: la desfetichizacin de la moral como producto del falseamiento, de la mistificacin, de la ficcin; el desmoronamiento la creencia en la validez intrnseca de los valores morales y de su necesidad. Ocho aos ms tarde, en Ms all del bien y del mal (1886), Nietzsche volver a decir: La psicologa entera ha venido estando pendiente hasta ahora de prejuicios y temores morales: no ha osado descender a la profundidad. Concebirla como teora de la evolucin de la voluntad de poder, tal como yo la concibo, eso es algo que nadie ha rozado siquiera en sus pensamientos... A partir de ahora vuelve a ser la psicologa el camino que conduce a los problemas fundamentales. Juan Manuel del Moral.

(2) Ignoro se Husserl cita a Enesidemo como uma das fontes de sua fenomenologia.

(3) No preciso dizer que Lemm no menciona este alcance sobre Brasil.

 

Curriculum

Psiclogo clnico. Ex docente de varias universidades en Brasil. Miembro fundador y de honor de ALPE. Escribi numerosos libros cientficos y literarios.

 

Correos de contacto:

emiliorom@terra.com.br

 

Fecha de entrega: 11/04/2022

Fecha de aceptacin: 12/0/2022

 

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